LIVRO DE JÓ
CAPÍTULOS
Capitulo 21
1 Respondeu,
porém, Jó, dizendo:
2 Ouvi atentamente
as minhas razöes; e isto vos sirva de consolaçäo.
3 Sofrei-me,
e eu falarei; e havendo eu falado, zombai.
4 Porventura
eu me queixo de algum homem? Porém, ainda que assim fosse, por que
näo se angustiaria o meu espírito?
5 Olhai para
mim, e pasmai; e ponde a mäo sobre a boca.
6 Porque,
quando me lembro disto me perturbo, e a minha carne é sobressaltada
de horror.
7 Por que
razäo vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se robustecem em
poder?
8 A sua descendência
se estabelece com eles perante a sua face; e os seus renovos perante os
seus olhos.
9 As suas
casas têm paz, sem temor; e a vara de Deus näo está sobre
eles.
10 O seu touro
gera, e näo falha; pare a sua vaca, e näo aborta.
11 Fazem sair
as suas crianças, como a um rebanho, e seus filhos andam saltando.
12 Levantam
a voz, ao som do tamboril e da harpa, e alegram-se ao som do órgäo.
13 Na prosperidade
gastam os seus dias, e num momento descem à sepultura.
14 E, todavia,
dizem a Deus: Retira-te de nós; porque näo desejamos ter conhecimento
dos teus caminhos.
15 Quem é
o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará
que lhe façamos oraçöes?
16 Vede, porém,
que a prosperidade näo está nas mäos deles; esteja longe
de mim o conselho dos ímpios!
17 Quantas
vezes sucede que se apaga a lámpada dos ímpios, e lhes sobrevém
a sua destruiçäo? E Deus na sua ira lhes reparte dores!
18 Porque
säo como a palha diante do vento, e como a pragana, que arrebata o
redemoinho.
19 Deus guarda
a sua violência para seus filhos, e dá-lhe o pago, para que
o conheça.
20 Seus olhos
veräo a sua ruína, e ele beberá do furor do Todo-Poderoso.
21 Por que,
que prazer teria na sua casa, depois de morto, cortando-se-lhe o número
dos seus meses?
22 Porventura
a Deus se ensinaria ciência, a ele que julga os excelsos?
23 Um morre
na força da sua plenitude, estando inteiramente sossegado e tranqüilo.
24 Com seus
baldes cheios de leite, e a medula dos seus ossos umedecida.
25 E outro,
ao contrário, morre na amargura do seu coraçäo, näo
havendo provado do bem.
26 Juntamente
jazem no pó, e os vermes os cobrem.
27 Eis que
conheço bem os vossos pensamentos; e os maus intentos com que injustamente
me fazeis violência.
28 Porque
direis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que
moravam os ímpios?
29 Porventura
näo perguntastes aos que passam pelo caminho, e näo conheceis
os seus sinais,
30 Que o mau
é preservado para o dia da destruiçäo; e arrebatado
no dia do furor?
31 Quem acusará
diante dele o seu caminho, e quem lhe dará o pago do que faz?
32 Finalmente
é levado à sepultura, e vigiam-lhe o túmulo.
33 Os torröes
do vale lhe säo doces, e o seguiräo todos os homens; e adiante
dele foram inumeráveis.
34 Como, pois,
me consolais com vaidade? Pois nas vossas respostas ainda resta a transgressäo.
Capitulo 22
1 Entäo
respondeu Elifaz, o temanita, dizendo:
2 Porventura
será o homem de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo o prudente
será proveitoso.
3 Ou tem o
Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou algum lucro em que tu faças
perfeitos os teus caminhos?
4 Ou te repreende,
pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo?
5 Porventura
näo é grande a tua malícia, e sem termo as tuas iniqüidades?
6 Porque sem
causa penhoraste a teus irmäos, e aos nus despojaste as vestes.
7 Näo
deste ao cansado água a beber, e ao faminto retiveste o päo.
8 Mas para
o poderoso era a terra, e o homem tido em respeito habitava nela.
9 As viúvas
despediste vazias, e os braços dos órfäos foram quebrados.
10 Por isso
é que estás cercado de laços, e te perturba um pavor
repentino,
11 Ou trevas
em que nada vês, e a abundáncia de águas que te cobre.
12 Porventura
Deus näo está na altura dos céus? Olha para a altura
das estrelas; quäo elevadas estäo.
13 E dizes:
que sabe Deus? Porventura julgará ele através da escuridäo?
14 As nuvens
säo esconderijo para ele, para que näo veja; e passeia pelo circuito
dos céus.
15 Porventura
queres guardar a vereda antiga, que pisaram os homens iníquos?
16 Eles foram
arrebatados antes do seu tempo; sobre o seu fundamento um dilúvio
se derramou.
17 Diziam
a Deus: Retira-te de nós. E: Que foi que o Todo-Poderoso nos fez?
18 Contudo
ele encheu de bens as suas casas; mas o conselho dos ímpios esteja
longe de mim.
19 Os justos
o vêem, e se alegram, e o inocente escarnece deles.
20 Porquanto
o nosso adversário näo foi destruído, mas o fogo consumiu
o que restou deles.
21 Apega-te,
pois, a ele, e tem paz, e assim te sobrevirá o bem.
22 Aceita,
peço-te, a lei da sua boca, e pöe as suas palavras no teu coraçäo.
23 Se te voltares
ao Todo-Poderoso, serás edificado; se afastares a iniqüidade
da tua tenda,
24 E deitares
o teu tesouro no pó, e o ouro de Ofir nas pedras dos ribeiros,
25 Entäo
o Todo-Poderoso será o teu tesouro, e a tua prata acumulada.
26 Porque
entäo te deleitarás no Todo-Poderoso, e levantarás o
teu rosto para Deus.
27 Orarás
a ele, e ele te ouvirá, e pagarás os teus votos.
28 Determinarás
tu algum negócio, e ser-te-á firme, e a luz brilhará
em teus caminhos.
29 Quando
te abaterem, entäo tu dirás: Haja exaltaçäo! E
Deus salvará ao humilde.
30 E livrará
até ao que näo é inocente; porque será libertado
pela pureza de tuas mäos.
Capitulo 23
1 Respondeu,
porém, Jó, dizendo:
2 Ainda hoje
a minha queixa está em amargura; a minha mäo pesa sobre meu
gemido.
3 Ah, se eu
soubesse onde o poderia achar! Entäo me chegaria ao seu tribunal.
4 Exporia
ante ele a minha causa, e a minha boca encheria de argumentos.
5 Saberia
as palavras com que ele me responderia, e entenderia o que me dissesse.
6 Porventura
segundo a grandeza de seu poder contenderia comigo? Näo: ele antes
me atenderia.
7 Ali o reto
pleitearia com ele, e eu me livraria para sempre do meu Juiz.
8 Eis que
se me adianto, ali näo está; se torno para trás, näo
o percebo.
9 Se opera
à esquerda, näo o vejo; se se encobre à direita, näo
o diviso.
10 Porém
ele sabe o meu caminho; provando-me ele, sairei como o ouro.
11 Nas suas
pisadas os meus pés se afirmaram; guardei o seu caminho, e näo
me desviei dele.
12 Do preceito
de seus lábios nunca me apartei, e as palavras da sua boca guardei
mais do que a minha porçäo.
13 Mas, se
ele resolveu alguma coisa, quem entäo o desviará? O que a sua
alma quiser, isso fará.
14 Porque
cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e muitas coisas
como estas ainda tem consigo.
15 Por isso
me perturbo perante ele, e quando isto considero, temo-me dele.
16 Porque
Deus macerou o meu coraçäo, e o Todo-Poderoso me perturbou.
17 Porquanto
näo fui desarraigado por causa das trevas, e nem encobriu o meu rosto
com a escuridäo.
Capitulo 24
1 Visto que
do Todo-Poderoso näo se encobriram os tempos, por que, os que o conhecem,
näo vêem os seus dias?
2 Até
os limites removem; roubam os rebanhos, e os apascentam.
3 Do órfäo
levam o jumento; tomam em penhor o boi da viúva.
4 Desviam
do caminho os necessitados; e os pobres da terra juntos se escondem.
5 Eis que,
como jumentos monteses no deserto, saem à sua obra, madrugando para
a presa; a campina dá mantimento a eles e aos seus filhos.
6 No campo
segam o seu pasto, e vindimam a vinha do ímpio.
7 Ao nu fazem
passar a noite sem roupa, näo tendo ele coberta contra o frio.
8 Pelas chuvas
das montanhas säo molhados e, näo tendo refúgio, abraçam-se
com as rochas.
9 Ao orfäozinho
arrancam dos peitos, e tomam o penhor do pobre.
10 Fazem com
que os nus väo sem roupa e aos famintos tiram as espigas.
11 Dentro
das suas paredes espremem o azeite; pisam os lagares, e ainda têm
sede.
12 Desde as
cidades gemem os homens, e a alma dos feridos exclama, e contudo Deus lho
näo imputa como loucura.
13 Eles estäo
entre os que se opöem à luz; näo conhecem os seus caminhos,
e näo permanecem nas suas veredas.
14 De madrugada
se levanta o homicida, mata o pobre e necessitado, e de noite é
como o ladräo.
15 Assim como
o olho do adúltero aguarda o crepúsculo, dizendo: Näo
me verá olho nenhum; e oculta o rosto,
16 Nas trevas
minam as casas, que de dia se marcaram; näo conhecem a luz.
17 Porque
a manhä para todos eles é como sombra de morte; pois, sendo
conhecidos, sentem os pavores da sombra da morte.
18 É
ligeiro sobre a superfície das águas; maldita é a
sua parte sobre a terra; näo voita pelo caminho das vinhas.
19 A secura
e o calor desfazem as águas da neve; assim desfará a sepultura
aos que pecaram.
20 A madre
se esquecerá dele, os vermes o comeräo gostosamente; nunca
mais haverá lembrança dele; e a iniqüidade se quebrará
como uma árvore.
21 Aflige
à estéril que näo dá à luz, e à
viúva näo faz bem.
22 Até
aos poderosos arrasta com a sua força; se ele se levanta, näo
há vida segura.
23 Se Deus
lhes dá descanso, estribam-se nisso; seus olhos porém estäo
nos caminhos deles.
24 Por um
pouco se exaltam, e logo desaparecem; säo abatidos, encerrados como
todos os demais; e cortados como as cabeças das espigas.
25 Se agora
näo é assim, quem me desmentirá e desfará as
minhas razöes?
Capitulo 25
1 Entäo
respondeu Bildade, o suíta, e disse:
2 Com ele
estäo domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas.
3 Porventura
têm número as suas tropas? E sobre quem näo se levanta
a sua luz?
4 Como, pois,
seria justo o homem para com Deus, e como seria puro aquele que nasce de
mulher?
5 Eis que
até a lua näo resplandece, e as estrelas näo säo
puras aos seus olhos.
6 E quanto
menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é
um vermezinho!
Capitulo 26
1 Jó,
porém, respondeu, dizendo:
2 Como ajudaste
aquele que näo tinha força, e sustentaste o braço que
näo tinha vigor?
3 Como aconselhaste
aquele que näo tinha sabedoria, e plenamente fizeste saber a causa,
assim como era?
4 A quem proferiste
palavras, e de quem é o espírito que saiu de ti?
5 Os mortos
tremem debaixo das águas, com os seus moradores.
6 O inferno
está nu perante ele, e näo há coberta para a perdiçäo.
7 O norte
estende sobre o vazio; e suspende a terra sobre o nada.
8 Prende as
águas nas suas nuvens, todavia a nuvem näo se rasga debaixo
delas.
9 Encobre
a face do seu trono, e sobre ele estende a sua nuvem.
10 Marcou
um limite sobre a superfície das águas em redor, até
aos confins da luz e das trevas.
11 As colunas
do céu tremem, e se espantam da sua ameaça.
12 Com a sua
força fende o mar, e com o seu entendimento abate a soberba.
13 Pelo seu
Espírito ornou os céus; a sua mäo formou a serpente
enroscadiça.
14 Eis que
isto säo apenas as orlas dos seus caminhos; e quäo pouco é
o que temos ouvido dele! Quem, pois, entenderia o troväo do seu poder?
Capitulo 27
1 E prosseguindo
Jó em seu discurso, disse:
2 Vive Deus,
que desviou a minha causa, e o Todo-Poderoso, que amargurou a minha alma.
3 Que, enquanto
em mim houver alento, e o sopro de Deus nas minhas narinas,
4 Näo
falaräo os meus lábios iniqüidade, nem a minha língua
pronunciará engano.
5 Longe de
mim que eu vos justifique; até que eu expire, nunca apartarei de
mim a minha integridade.
6 A minha
justiça me apegarei e näo a largarei; näo me reprovará
o meu coraçäo em toda a minha vida.
7 Seja como
o ímpio o meu inimigo, e como o perverso o que se levantar contra
mim.
8 Porque qual
será a esperança do hipócrita, havendo sido avaro,
quando Deus lhe arrancar a sua alma?
9 Porventura
Deus ouvirá o seu clamor, sobrevindo-lhe a tribulaçäo?
10 Deleitar-se-á
no Todo-Poderoso, ou invocará a Deus em todo o tempo?
11 Ensinar-vos-ei
acerca da mäo de Deus, e näo vos encobrirei o que está
com o Todo-Poderoso.
12 Eis que
todos vós já o vistes; por que, pois, vos desvaneceis na
vossa vaidade?
13 Esta, pois,
é a porçäo do homem ímpio da parte de Deus, e
a herança, que os tiranos receberäo do Todo-Poderoso.
14 Se os seus
filhos se multiplicarem, será para a espada, e a sua prole näo
se fartará de päo.
15 Os que
ficarem dele na morte seräo enterrados, e as suas viúvas näo
choraräo.
16 Se amontoar
prata como pó, e aparelhar roupas como lodo,
17 Ele as
aparelhará, porém o justo as vestirá, e o inocente
repartirá a prata.
18 E edificará
a sua casa como a traça, e como o guarda que faz a cabana.
19 Rico se
deita, e näo será recolhido; abre os seus olhos, e nada terá.
20 Pavores
se apoderam dele como águas; de noite o arrebata a tempestade.
21 O vento
oriental leva-o, e ele se vai, e varre-o com ímpeto do seu lugar.
22 E Deus
lançará isto sobre ele, e näo lhe poupará; irá
fugindo da sua mäo.
23 Cada um
baterá palmas contra ele e assobiará tirando-o do seu lugar.
Capitulo 28
1 Na verdade,
há veios de onde se extrai a prata, e lugar onde se refina o ouro.
2 O ferro
tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre.
3 Ele pöe
fim às trevas, e toda a extremidade ele esquadrinha, a pedra da
escuridäo e a da sombra da morte.
4 Abre um
poço de mina longe dos homens, em lugares esquecidos do pé;
ficando pendentes longe dos homens, oscilam de um lado para outro.
5 Da terra
procede o päo, mas por baixo é revolvida como por fogo.
6 As suas
pedras säo o lugar da safira, e tem pó de ouro.
7 Essa vereda
a ave de rapina a ignora, e näo a viram os olhos da gralha.
8 Nunca a
pisaram filhos de animais altivos, nem o feroz leäo passou por ela.
9 Ele estende
a sua mäo contra o rochedo, e revolve os montes desde as suas raízes.
10 Dos rochedos
faz sair rios, e o seu olho vê tudo o que há de precioso.
11 Os rios
tapa, e nem uma gota sai deles, e tira à luz o que estava escondido.
12 Porém
onde se achará a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?
13 O homem
näo conhece o seu valor, e nem ela se acha na terra dos viventes.
14 O abismo
diz: Näo está em mim; e o mar diz: Ela näo está
comigo.
15 Näo
se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em troca dela.
16 Nem se
pode comprar por ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ónix, nem
pela safira.
17 Com ela
näo se pode comparar o ouro nem o cristal; nem se trocará por
jóia de ouro fino.
18 Näo
se fará mençäo de coral nem de pérolas; porque
o valor da sabedoria é melhor que o dos rubis.
19 Näo
se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode
avaliar por ouro puro.
20 Donde,
pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?
21 Pois está
encoberta aos olhos de todo o vivente, e oculta às aves do céu.
22 A perdiçäo
e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama.
23 Deus entende
o seu caminho, e ele sabe o seu lugar.
24 Porque
ele vê as extremidades da terra; e vê tudo o que há
debaixo dos céus.
25 Quando
deu peso ao vento, e tomou a medida das águas;
26 Quando
prescreveu leis para a chuva e caminho para o relámpago dos trovöes;
27 Entäo
a viu e relatou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.
28 E disse
ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se
do mal é a inteligência.
Capitulo 29
1 E prosseguiu
Jó no seu discurso, dizendo:
2 Ah! quem
me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me
guardava!
3 Quando fazia
resplandecer a sua lámpada sobre a minha cabeça e quando
eu pela sua luz caminhava pelas trevas.
4 Como fui
nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha
tenda;
5 Quando o
Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim.
6 Quando lavava
os meus passos na manteiga, e da rocha me corriam ribeiros de azeite;
7 Quando eu
saía para a porta da cidade, e na rua fazia preparar a minha cadeira,
8 Os moços
me viam, e se escondiam, e até os idosos se levantavam e se punham
em pé;
9 Os príncipes
continham as suas palavras, e punham a mäo sobre a sua boca;
10 A voz dos
nobres se calava, e a sua língua apegava-se ao seu paladar.
11 Ouvindo-me
algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; vendo-me algum olho, dava testemunho
de mim;
12 Porque
eu livrava o miserável, que clamava, como também o órfäo
que näo tinha quem o socorresse.
13 A bênçäo
do que ia perecendo vinha sobre mim, e eu fazia que rejubilasse o coraçäo
da viúva.
14 Vestia-me
da justiça, e ela me servia de vestimenta; como manto e diadema
era a minha justiça.
15 Eu me fazia
de olhos para o cego, e de pés para o coxo.
16 Dos necessitados
era pai, e as causas de que eu näo tinha conhecimento inquiria com
diligência.
17 E quebrava
os queixos do perverso, e dos seus dentes tirava a presa.
18 E dizia:
No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia.
19 A minha
raiz se estendia junto às águas, e o orvalho permanecia sobre
os meus ramos;
20 A minha
honra se renovava em mim, e o meu arco se reforçava na minha mäo.
21 Ouviam-me
e esperavam, e em silêncio atendiam ao meu conselho.
22 Havendo
eu falado, näo replicavam, e minhas razöes distilavam sobre eles;
23 Porque
me esperavam, como à chuva; e abriam a sua boca, como à chuva
tardia.
24 Se eu ria
para eles, näo o criam, e a luz do meu rosto näo faziam abater;
25 Eu escolhia
o seu caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas
tropas; como aquele que consola os que pranteiam.
Capitulo 30
1 Agora, porém,
se riem de mim os de menos idade do que eu, cujos pais eu teria desdenhado
de pór com os cäes do meu rebanho.
2 De que também
me serviria a força das mäos daqueles, cujo vigor se tinha
esgotado?
3 De míngua
e fome se debilitaram; e recolhiam-se para os lugares secos, tenebrosos,
assolados e desertos.
4 Apanhavam
malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento eram as raízes dos
zimbros.
5 Do meio
dos homens eram expulsos, e gritavam contra eles, como contra o ladräo;
6 Para habitarem
nos barrancos dos vales, e nas cavernas da terra e das rochas.
7 Bramavam
entre os arbustos, e ajuntavam-se debaixo das urtigas.
8 Eram filhos
de doidos, e filhos de gente sem nome, e da terra foram expulsos.
9 Agora, porém,
sou a sua cançäo, e lhes sirvo de provérbio.
10 Abominam-me,
e fogem para longe de mim, e no meu rosto näo se privam de cuspir.
11 Porque
Deus desatou a sua corda, e me oprimiu, por isso sacudiram de si o freio
perante o meu rosto.
12 Å
direita se levantam os moços; empurram os meus pés, e preparam
contra mim os seus caminhos de destruiçäo.
13 Desbaratam-me
o caminho; promovem a minha miséria; contra eles näo há
ajudador.
14 Vêm
contra mim como por uma grande brecha, e revolvem-se entre a assolaçäo.
15 Sobrevieram-me
pavores; como vento perseguem a minha honra, e como nuvem passou a minha
felicidade.
16 E agora
derrama-se em mim a minha alma; os dias da afliçäo se apoderaram
de mim.
17 De noite
se me traspassam os meus ossos, e os meus nervos näo descansam.
18 Pela grandeza
do meu mal está desfigurada a minha veste, que, como a gola da minha
túnica, me cinge.
19 Lançou-me
na lama, e fiquei semelhante ao pó e à cinza.
20 Clamo a
ti, porém, tu näo me respondes; estou em pé, porém,
para mim näo atentas.
21 Tornaste-te
cruel contra mim; com a força da tua mäo resistes violentamente.
22 Levantas-me
sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e derretes-me o ser.
23 Porque
eu sei que me levarás à morte e à casa do ajuntamento
determinada a todos os viventes.
24 Porém
näo estenderá a mäo para o túmulo, ainda que eles
clamem na sua destruiçäo.
25 Porventura
näo chorei sobre aquele que estava aflito, ou näo se angustiou
a minha alma pelo necessitado?
26 Todavia
aguardando eu o bem, entäo me veio o mal, esperando eu a luz, veio
a escuridäo.
27 As minhas
entranhas fervem e näo estäo quietas; os dias da afliçäo
me surpreendem.
28 Denegrido
ando, porém näo do sol; levantando-me na congregaçäo,
clamo por socorro.
29 Irmäo
me fiz dos chacais, e companheiro dos avestruzes.
30 Enegreceu-se
a minha pele sobre mim, e os meus ossos estäo queimados do calor.
31 A minha
harpa se tornou em luto, e o meu órgäo em voz dos que choram.
Capitulo 31
1 Fiz aliança
com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?
2 Que porçäo
teria eu do Deus lá de cima, ou que herança do Todo-Poderoso
desde as alturas?
3 Porventura
näo é a perdiçäo para o perverso, o desastre para
os que praticam iniqüidade?
4 Ou näo
vê ele os meus caminhos, e näo conta todos os meus passos?
5 Se andei
com falsidade, e se o meu pé se apressou para o engano
6 (Pese-me
em balanças fiéis, e saberá Deus a minha sinceridade),
7 Se os meus
passos se desviaram do caminho, e se o meu coraçäo segue os
meus olhos, e se às minhas mäos se apegou qualquer coisa,
8 Entäo
semeie eu e outro coma, e seja a minha descendência arrancada até
à raiz.
9 Se o meu
coraçäo se deixou seduzir por uma mulher, ou se eu armei traiçöes
à porta do meu próximo,
10 Entäo
moa minha mulher para outro, e outros se encurvem sobre ela,
11 Porque
é uma infámia, e é delito pertencente aos juízes.
12 Porque
é fogo que consome até à perdiçäo, e desarraigaria
toda a minha renda.
13 Se desprezei
o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles contendiam comigo;
14 Entäo
que faria eu quando Deus se levantasse? E, inquirindo a causa, que lhe
responderia?
15 Aquele
que me formou no ventre näo o fez também a ele? Ou näo
nos formou do mesmo modo na madre?
16 Se retive
o que os pobres desejavam, ou fiz desfalecer os olhos da viúva,
17 Ou se,
sozinho comi o meu bocado, e o órfäo näo comeu dele
18 (Porque
desde a minha mocidade cresceu comigo como com seu pai, e fui o guia da
viúva desde o ventre de minha mäe),
19 Se alguém
vi perecer por falta de roupa, e ao necessitado por näo ter coberta,
20 Se os seus
lombos näo me abençoaram, se ele näo se aquentava com
as peles dos meus cordeiros,
21 Se eu levantei
a minha mäo contra o órfäo, porquanto na porta via a minha
ajuda,
22 Entäo
caia do ombro a minha espádua, e separe-se o meu braço do
osso.
23 Porque
o castigo de Deus era para mim um assombro, e eu näo podia suportar
a sua grandeza.
24 Se no ouro
pus a minha esperança, ou disse ao ouro fino: Tu és a minha
confiança;
25 Se me alegrei
de que era muita a minha riqueza, e de que a minha mäo tinha alcançado
muito;
26 Se olhei
para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, caminhando gloriosa,
27 E o meu
coraçäo se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou
a minha mäo,
28 Também
isto seria delito à puniçäo de juízes; pois assim
negaria a Deus que está lá em cima.
29 Se me alegrei
da desgraça do que me tem ódio, e se exultei quando o mal
o atingiu
30 (Também
näo deixei pecar a minha boca, desejando a sua morte com maldiçäo);
31 Se a gente
da minha tenda näo disse: Ah! quem nos dará da sua carne? Nunca
nos fartaríamos dela.
32 O estrangeiro
näo passava a noite na rua; as minhas portas abria ao viandante.
33 Se, como
Adäo, encobri as minhas transgressöes, ocultando o meu delito
no meu seio;
34 Porque
eu temia a grande multidäo, e o desprezo das famílias me apavorava,
e eu me calei, e näo saí da porta;
35 Ah! quem
me dera um que me ouvisse! Eis que o meu desejo é que o Todo-Poderoso
me responda, e que o meu adversário escreva um livro.
36 Por certo
que o levaria sobre o meu ombro, sobre mim o ataria por coroa.
37 O número
dos meus passos lhe mostraria; como príncipe me chegaria a ele.
38 Se a minha
terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem,
39 Se comi
os seus frutos sem dinheiro, e sufoquei a alma dos seus donos,
40 Por trigo
me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jó.